♪ There’s a hole in my soul ♪

“E aí, tudo bem?”

Estou com uma imensa dificuldade de responder a essa simples pergunta retórica. Não tá tudo bem. Tô mal, tô triste, tô desmotivada, poucas coisas me animam. Só queria que o mundo parasse um pouco para eu ficar na cama chorando por dias seguidos. Não, não tô bem.

Não consigo lembrar de um período tão prolongado em que eu passasse tanto tempo chorando ou reprimindo choro.

Já tive muitas crises de tristeza na vida, mas não dessa forma. Há meses não tenho ânimo para absolutamente nada. Para terem uma noção: desisti de viajar no fim do ano. Não quero ir pra lugar nenhum, viagens já não são suficientes para diminuir o buraco dentro de mim.

Para toda a humanidade, tá tudo ok na minha vida. De fato, não posso reclamar da grande maioria das coisas. Trabalho? Não amo, mas é o melhor que eu poderia ter, sem a menor sombra de dúvida. Não me sobrecarrega, não me estressa, não me mantém acordada a noite. Dinheiro? Moro com meus pais, então meus gastos são basicamente comigo, tipo pagar terapia (sim, desde o começo do ano tô na terapia), internet, coisas do dia a dia. Como sou filha única, vou herdar tudo (não é muito, mas o suficiente para eu não morrer de fome na velhice). Além disso, guardo uma grana para eventualidades. Amigos? Ok. Tenho muito menos contato com eles do que gostaria, mas eles são muito importantes para mim. Aliás, os botecos não tão frequentes com eles são alguns dos poucos momentos em que não estou na melancolia completa (sim, o álcool ajuda muito). Saúde? Bem, obrigada. Família? Nem bom nem ruim. Vamos nos tolerando, algumas brigas tensas, períodos de calmaria. Comparando com os períodos realmente horrorosos que já vivemos, tá até ok.

O que nos resta? Sim, sim. Amor. Afeto.

Aí você vem me dizer: TODO ESSE DRAMA POR CAUSA DE HOMEM?

Se você realmente quer fazer Olimpíadas de Sofrimento, talvez possa parar por aqui e vazar.


Olha só: são 30 anos, provavelmente metade da minha vida, sem afeto, carinho, amor. De nada, de ninguém. Exagero? Você realmente precisa ler/reler esse post e esse post para tentar compreender como foi minha infância e minha adolescência. Claro que meus pais têm consideração por mim, gostam de mim da forma deles. Tô morando com eles até agora, né? Mas nunca expressaram isso. Nunca tive alguém com quem contar, para quem desabafar, sabe?

Daí a pessoa cresce e começa a desejar afeto. Deseja se sentir amada por alguém. Só que isso nunca acontece. 30 anos desejando um pão inteiro e não recebendo nem migalhas.

Daí a pessoa desenvolve uma compulsão alimentar fodida. O chocolate (inteiro) antes de dormir é o símbolo do que eu mais sonho: alguém para me abraçar antes de eu pegar no sono, e dizer que vai ficar tudo bem. Comfort food.

E daí a pessoa engorda, autoestima já no chão fica ainda pior… etc etc.


Semana passada fui visitar o bebê recém-nascido de uma grande amiga. Assisti o vídeo do parto (humanizado, em casa, com doula e tal). Emocionei. Chorei. Na hora, a emoção foi pela felicidade deles, pela realização do sonho deles. Assim como chorei no casamento. Em todos os casamentos que já fui, na verdade. Chorei até vendo o primeiro beijo de uma amiga no cara por quem ela era apaixonada há anos. A felicidade alheia me comove muito. Às vezes até parece que eu fico mais feliz pelas pessoas do que elas mesmas!

Só que, depois, voltando sozinha pra casa, bateu a realização de que eu não sei se quero casar e ter filhos. Eu não me permito sonhar com isso. Não consigo nem ter alguém pra estar ao meu lado, me abraçar e me sentir amada! Que dirá CASAR E TER FILHO. Daí fiquei revendo aquele vídeo do parto na cabeça… E pensei: eu até poderia ser mãe solteira. Mas QUEM estaria do meu lado no parto? Aliás, quem estaria do meu lado a qualquer momento da minha vida?
Isso mesmo. Ninguém. Não tenho ninguém. Essa dor da solidão é avassaladora e ocupa um espaço cada vez maior dentro de mim.

E é claro que isso afasta ainda mais as pessoas.


Por tanto, sou extremamente vulnerável e carente. Se alguém me dá uma migalha de afeto, eu me jogo de corpo inteiro. E sempre penso “dessa vez será diferente”. Mas nunca é. De modo que cada decepção dói de uma forma quase insuportável. Me derruba.

Imagina. Cada cidadão com que saio, que parece se interessar por mim, pela minha vida, será inevitavelmente fonte de um sofrimento grande. Mais um pra conta. Mais um tijolinho na muralha de amargura, que é como eu me sinto.

Não era pra gente sofrer cada vez menos com essas coisas? Criar uma casca, ou algo assim? Talvez, se você é uma pessoa “normal”. Mas pra mim, não. Me sinto cada vez mais sozinha, cada vez pior.

E daí, com esse psicológico cagadíssimo que só piora dia após dia, achei uma boa ideia me envolver com alguém que já tinha uma mínima noção do meu estrago emocional (geralmente as pessoas não tem ideia de como sou). Dói pra caralho pensar que das únicas DUAS boas semanas que tive em 2016, uma delas foi por causa dele. Pq? Acreditei mais uma vez que dessa vez seria diferente. “Ele me compreende. Pode me ajudar. Me dar um apoio”.

AHÃN. VAI NESSA, TROUXA.

Não vou entrar em muitos detalhes, disse que não iria o expor e não vou, até pq ele não foi um babaca.

Ele agiu como boa parte da população age com pessoas que carregam uma dor muito grande: se distanciando. Compreendo. Não é fácil lidar com toda a carência e atenção que eu demando. Sei que me excedi. Praticamente perdi contato com uma pessoa que sempre foi legal comigo, que me fazia bem.


Sabe o que é foda? É saber que muita gente (no universo de meia dúzia que o google vai mandar pra cá por conta de alguma tag bizarra) que vai ler isso vai achar que sou ridícula e que o drama é, sim, por causa de homem. Olha, pode até ser. A rejeição de toda a espécie humana por mim. Aí faz sentido.

Não guardo (tanta) mágoa de um bofe ou outro. Guardo mágoa da somatória de toda a rejeição que já sofri em todas as relações familiares, amorosas e afetivas na vida.

Você tem noção do que é sentir inveja de um mendigo, que não tem um puto, fodido na vida, mas tá ali dormindo debaixo da marquise abraçado com outra fodida? Bem vindo à minha vida.


Hoje minha psicóloga me encaminhou para um psiquiatra, para confirmar o diagnóstico de depressão e me medicar.

Então. Não, não tô bem.

Malz aí o desabafo.

Às vezes sessões de 45 minutos de terapia são insuficientes…

Minha mãe – a pior história de todas

Alô, você que leu esse post aqui. Você já conhece um pouco sobre a minha relação com a minha família. Mas agora vou me aprofundar nisso. Vou falar da minha mãe.

Tá, você ama sua mãe, ela é a pessoa mais importante da sua vida, você deve tudo a ela.
Super te compreendo, camarada. Mas para mim é bem mais difícil falar isso. Claro que devo minha vida a ela, mas dizer que a amo e que eu devo tudo a ela… Não condiz muito com a realidade.

Minha mãe é louca. Não é autista e nem nada, mas ela tem uma personalidade complicada. Um gênio ruim. Pelos relatos da família e dos amigos antigos dela, ela sempre foi uma pessoa dificílima de lidar. Ela era possuída por surtos inexplicáveis, 99% deles agressivos e destruidores.

Ela sempre foi assim. Só que aí, lá pelos meus 12 anos, ela começou a beber. Tipo, MUITO. Ela sempre foi da cerveja, da caipirinha e tal, e sempre dava trabalho/vexâme. Mas não era alcoólatra. Ainda.

Lembro dela cozinhando e tomando uns goles de conhaque. Nada escondido. Ainda, novamente.

Só que as coisas foram se deteriorando.

Só culpa dela? Óbvio que não. Pessoas não se viciam em drogas só porque querem. Sempre tem um motivo escuso. No caso, os motivos eram vários. Da família complicada dela, o trabalho e o chefe fdp que a mandou embora, irmão mega problemático, meu pai com amizades inadequadas e eu teimosa e respondona e desse jeito que eu sou. Talvez eu tenha mais culpa ainda, mas não saberia indicar em quê.

O fato é que foi piorando, e piorando e piorando. Logo foi pra vodka, depois cachaça e nos últimos estágios antes do fim (isso acaba, se não eu nem contaria), pinga de garrafa de plástico. Daquelas que os mendigos tomam.

Eu falei que era uma história complicada.

O fato de ela se consumir em bebida não era o pior. Eu já disse que ela tem gênio ruim. Imagine uma pessoa com gênio ruim, super agressiva e bêbada.

Olha, eu devo estar na lista VIP do Open Bar do Céu, viu.

Bom, minha mãe passou uns 8 anos ou acordada, bêbada e surtando OU dormindo. Isso poderia ser às 2 da manhã, às 3 da tarde, às 8 da noite, nada a impedia. Escândalos pavorosos. Ela falava que eu era um monstro, uma gorda horrorosa, imatura, que só ia passar por desgraça na vida porque era isso que eu merecia. E daí pra baixo. Aparecia com facas, tentava nos dar garrafada…

NOS dar, porque lógico que eu e meu pai nos unimos contra ela. Ou nos uniamos, ou ela ia nos levar a morte. Sem exagero. Essa parte da minha vida não tem nem como exagerar. NINGUÉM além de mim e do meu pai tem uma noção do que foi essa época. E quando nos mudamos para perto da PUC, perto do centro de São Paulo, piorou o que parecia impiorável. 11º andar de um prédio com 1 apartamento por andar. Ela ameaçava se jogar ou jogar a mim, meu pai ou minha cachorra (!) dia sim, dia não. Por cerca de três anos, não desejei a ela nada que não a morte. Na verdade, ela já estava morta para mim há muito mais tempo.

E aí estava todo mundo dormindo, ela acordava a gente com tapas. Dava medo de dormir. Era stress puro.
A família sabia um pouco do que acontecia, mas ninguém entendia e nem tentava se meter. E aí ela ligava pras pessoas e começava a falar delas, tipo o que ela falava pra mim… Super agradável, vocês podem imaginar.

Nessa época, ela não comia mais. Se alimentava exclusivamente de álcool, e comprava umas ruffles de vez em quando. Tava magra, chupada, parecia morta-viva.

Não sei bem como consegui manter minha vida mais ou menos nos eixos, sendo que ela me acordava aos berros, me xingando, às vésperas do vestibular, sabem.
Mas consegui. Entrei na faculdade e sabia que o fato de voltar pra casa a noite, significava que insônia. Quem dormiria tranquilo com constantes ameaças?

Uma vez bati nela. Bati mesmo, de sair sangue e tudo. Ela tinha falado alguma coisa muito além do que costumava falar, não tenho nem idéia do que seja, mas aquilo me enxeu de ódio. Bati a cabeça dela contra o armário várias vezes, se meu pai não me parasse, não sei o que teria acontecido.

Mas foi só aquela vez. E não me orgulho. Mas assumo.

Então, no final de 2005, o irmão problemático dela morreu. 39 anos. Ele era gay, morava em Lisboa com um amigo, era alcoólatra e curtia umas drogas. E tinha uma vida bem intensa. VIVEU, sabem.
Ela sempre se identificou e tomou as dores do irmão quase 10 anos mais novo.

Só sei que a rápida evolução do quadro dele mexeu com ela. Fora que ela tava indo pelo mesmo caminho: já tinha tido uns desmaios pela rua, de fraqueza. Foi aí que ela procurou ajuda. Psicóloga encaminhou pro psiquiatra logo de cara (óbvio). Ela começou a tomar uns remédios tarja preta. E num intervalo de tempo surpreendentemente mínimo – tipo uma semana! – ela era outra pessoa. A alcoólatra maligna morreu, e apareceu uma mãe calma, abalada, abandonada e deprimida, que eu nunca tinha conhecido. Do álcool, passou para o chocolate – foi a recomendação do psiquiatra, trocar um vício pelo outro.

Meu pai ficou maravilhado e passou a dar todo o apoio. Eu não. Difícil perdoar e esquecer a mãe que ela foi pra mim por tanto tempo. Não que eu quisesse uma mãe-amiga como as que comentaram aquele post que eu citei no começo. Nós não somos disso… Mas. Né.

Ano passado, 2008, ela permanecia tomando vários remédios pesados. Aí, num certo domingo, enfartou. Foi pro hospital. Estado: grave. Poucos botavam uma fé. Meu pai ficou destruido, tinha certeza que ela morreria e que sua vida seria uma desgraça sem fim dali em diante.
Eu? Não chorei. Não cheguei nem perto disso. Primeiro porque sabia que ela não ia morrer. Não era lance de esperança,  nem fé: eu sabia, simplesmente. Me sentia estranha, porque faltava alguém em casa. Faltava a dedicação dela. Faltava alguma coisa…

E aí ela se recuperou. Naquelas. Agora ela toma 50 remédios para depressão/ansiedade e afins e outros 50 para coração, pressão, colesterol… E vive na inércia. Nada na vida dela a interessa suficientemente. Ela está fraca, não tem energia pra nada, e nem tenta.

Um dia desses, ela mandou um e-mail para o meu pai e deu para eu ler também. O e-mail falava que ela não via mais graça na vida, e que tudo que restava nela era amor e gratidão para o meu pai, para mim e para a Maggie.
Chorei.

Dói, sabe.

Chorando agora, também.

Pois é, gente. Vida complicada, a minha.

Lá em casa

Minha relação com os meus pais é estranha. Tudo na minha vida é estranho, já me conformei com isso.

Eles são, ao mesmo tempo, liberais e conservadores.

Liberais porque nunca tive restrições quanto a hora de voltar pra casa, eles nunca ficaram me torrando pra saber onde ir, com quem ia, que horas voltava… Quando tinha uns 14, 15 anos, via amigas da minha idade sofrendo ao ter que voltar pra casa às 22h. Eu não. Voltava a hora que quisesse, dormia a hora que quisesse, desde que fosse responsável ao ponto de conseguir ir pra escola no dia seguinte.

Eles acreditam que viajar é uma das melhores formas de se adquirir conhecimento. É genético isso. Meu pai sempre viajou muito, sempre preferiu gastar em passagens aéreas do que em carros ou apartamento. Ele investiu em mim desde sempre. Viajei para muitos lugares, desde pequena.
Eles não me obrigaram a fazer administração, direito ou faculdades que supostamente dão dinheiro.
Não tentaram me enforcar quando eu fiquei de DP em química no colegial, porque sabiam que não era a minha.
Além disso tudo, eles me ensinaram a vida toda que eu precisava me virar. Nada de carona a hora que eu quisesse, nada de ligar pra mamãe pra pedir arrego.

Sou filha única, mas estou longe de ser mimada. Ouvi muito mais NÃO do que SIM na vida.
Meus pais nunca me deram razão quando um professor ia reclamar de mim. Não me davam razão quando eu ia reclamar da escola. Isso por um lado me tornou forte e independente, mas na infância me destruia. Hoje sei que um apoio deles seria fundamental naquela época, mas não houve. Tive que me virar. Por outro lado, se eu não tivesse me fodido do jeito que me fodi, não seria quem sou hoje.

Por outro lado, meus pais são conservadores ao extremo em relação a assuntos íntimos. Morreriam de saber que eu conto minha vida inteira em um blog nada anônimo. Lá em casa nunca rolaram papos sobre sexualidade, sobre primeiras experiências e o que for. A gente conversa – e briga – bastante. Gosto muito de ficar em casa. Mas lá não é lugar para falar de assuntos reservados. Não é lugar para confissões.

Cresci com isso, e nunca senti falta. Talvez, insconscientemente, eu até sinta. Mas bem lá no fundo.

Não me imagino sentando com a minha mãe e falando de que bosta que é viver solteira . Até porque, se eu fizer isso, o mais provável é que ela venha jogar meus defeitos na minha cara, dizendo que é porque eu sou gorda, porque eu sou largada e blábláblá. Então, me digam se não é melhor ficar quieta e desabafar na mesa do bar, na terapia, no blog?

Meu pai, se eu falo que estou enjoada, ele diz para eu me virar. Ele tem horror a doença. Tem nojo de tudo. Tem horror a portas abertas em casa.

Então a gente fica nessas. Senta na sala com a Globo passando novela, fala de comida, programa o fim de semana, reclama do trabalho, planeja novas compras, viagens e afins, comenta as notícias do dia, fofoca sobre a vida de alguém… Super delícia, mas nada íntimo. NADA.

Nunca contei nada pra minha mãe. Ela só soube que eu menstruei, aos 11 anos, porque minha avó contou a ela. Aliás, constrangimento total a minha primeira menstruação, leiam lá no Corporativismo Feminino. Eu nunca contei de rolos, beijos, baseados, sexo, paranóias. Nem pretendo. Primeiro porque não tenho abertura para isso. Depois porque… E o medo de tomar patada?

Não lembro de ter falado “eu te amo” pros meus pais. Minha mãe também não é de demonstrações de afetividade. Mas, meu pai, ultrapassa o suportável. Fala “eu te amo” o raio do tempo inteiro. Se eu fosse minha mãe, surtaria. Opa, minha mãe já é surtada! Mas isso é assunto pra outro post.

Sorte que temos a Maggie, que absorve todo esse amor e carinho dele, porque realmente enche o saco. Já viram, isso? Amor encher o saco? Pois é, lá em casa enche o saco. É é 8 nou 80. Nada da minha parte ou da minha mãe, TUDO da parte dele.

Na real, existem milhões de buracos bem mais embaixo, em relação à vida lá em casa, mas outro dia conto.

Impressionantemente, falar dessas coisas não me incomoda tanto. Não me enche o olho de lágrimas, como o assunto do post anterior.

E como é a relação de vocês com seus pais? Sei um pouco de alguns, mas me contem mais. Sei que muitos se identificam com as minhas desgraças.

Obrigada pela atenção, pelos comentários, por tudo.
Amo muito esse blog, amo meus leitores, amo o apoio que recebo.